Resumo: O Soroban, ábaco japonês milenar, vem ganhando destaque contemporâneo como ferramenta terapêutica e educacional em diferentes contextos. Este artigo opinativo, embasado em experiências práticas e literatura, discute a história do Soroban e sua aplicação à luz da neurociência, destacando benefícios cognitivos para idosos, inclusive na potencial prevenção do Alzheimer, sua eficácia no ensino de matemática a pessoas com deficiência visual e seu papel na inclusão e no desenvolvimento de habilidades de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Com base nos artigos e vivências da autora no Centro Paulistano de Soroban, apresentam-se evidências e reflexões sobre como este instrumento tradicional pode contribuir para a saúde mental, a aprendizagem inclusiva e o bem-estar, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Mantém-se a estrutura acadêmica em conformidade com as normas da ABNT, incluindo introdução, seções temáticas, conclusão e referências bibliográficas.
Palavras-chave: Soroban; Ábaco Japonês; Neurociência; Educação Inclusiva; Terceira Idade; Deficiência Visual; Autismo.
Introdução
O Soroban, nome dado ao ábaco japonês, é uma ferramenta de cálculo milenar que, ao longo do tempo, transcendeu seu uso original para se tornar um aliado importante em contextos terapêuticos e educacionais. Inventado há milênios para realizar operações aritméticas, o Soroban hoje desperta um interesse renovado, especialmente por parte de educadores e profissionais da saúde cognitiva no Brasil e nos Estados Unidos. De fato, pesquisas em neurociência cognitiva indicam que o treinamento com o ábaco pode aprimorar diversas funções mentais e até provocar mudanças funcionais e estruturais no cérebro humano. Paralelamente, educadores inclusivos vêm adaptando essa ferramenta para auxiliar diferentes públicos: desde idosos, com o objetivo de manter o cérebro ativo e saudável, até pessoas com deficiência visual ou transtorno do espectro autista, promovendo assim a inclusão e o desenvolvimento de habilidades específicas.
Neste artigo, analisamos o uso do Soroban em diferentes contextos. Inicialmente, apresenta-se uma visão geral histórica do instrumento e seu princípio de funcionamento. Em seguida, discute-se sua relação com a neurociência e os benefícios cognitivos associados ao uso regular. Os eixos centrais da discussão abrangem: (a) o impacto positivo do Soroban no envelhecimento saudável, com reflexões sobre a prevenção do declínio cognitivo e da doença de Alzheimer; (b) a eficácia do Soroban no ensino de matemática para pessoas com deficiência visual, considerando adaptações e políticas de inclusão; e (c) o papel transformador do Soroban no desenvolvimento cognitivo e social de crianças com transtorno do espectro autista (TEA).
As reflexões aqui reunidas são orientadas tanto pela experiência da autora que, por meio de oficinas e projetos desenvolvidos no Centro Paulistano de Soroban, pôde testemunhar em primeira mão os benefícios dessa prática quanto por literatura científica nacional e internacional pertinente. Ao final, são apresentadas as conclusões, que destacam a relevância do Soroban como ponte entre tradição e inovação pedagógica, seguidas das referências utilizadas, conforme as normas da ABNT.
História e Origem do Soroban
A trajetória histórica do Soroban remonta a mais de 2.500 anos, vinculando-se, assim, à evolução dos ábacos ao redor do mundo. Originalmente, o ábaco japonês desenvolveu-se a partir do suan-pan chinês e foi posteriormente refinado no Japão, no século XVII, pelo matemático Yoshimoto Kambei Mori. Notavelmente, em 1662, Mori publicou o tratado Jinkōki, frequentemente referido metaforicamente como o “embrião do Soroban”, no qual estabeleceu os princípios fundamentais de operação deste instrumento.
Diferentemente do ábaco ocidental clássico, o Soroban adotou uma configuração de contas, uma conta acima e quatro abaixo da barra divisória, adaptada ao sistema decimal, o que o tornava mais prático para os cálculos do cotidiano.
Introduzido no Japão feudal como ferramenta educacional, o Soroban manteve-se relevante mesmo após a difusão das calculadoras eletrônicas no pós-guerra. Por exemplo, um episódio histórico emblemático ilustra essa permanência: em 1946, um duelo simbólico foi realizado entre um perito japonês no uso do Soroban e um operador norte-americano de calculadora mecânica. Surpreendentemente, o resultado foi favorável ao ábaco, evidenciando, assim, a eficiência dessa ferramenta tradicional frente às tecnologias emergentes da época.
A disseminação global do Soroban acompanhou os movimentos migratórios e o intercâmbio cultural. No Brasil, país que abriga a maior comunidade nipônica fora do Japão, o Soroban foi inicialmente difundido em círculos da comunidade japonesa e, gradualmente, incorporado a contextos educativos especializados.
Um marco histórico foi sua introdução no ensino de pessoas com deficiência visual. Em meados do século XX, Joaquim Lima de Moraes, brasileiro que perdeu a visão em decorrência de alta miopia, tornou-se pioneiro ao utilizar o Soroban para realizar cálculos, além de ministrar palestras e aulas sobre seu uso. Moraes chegou a publicar um livro em braille ensinando a utilização do ábaco japonês, contribuindo significativamente para a educação matemática de estudantes cegos no país.
Nos Estados Unidos, o uso do ábaco japonês seguiu um caminho distinto. Embora não tenha uma presença histórica tão marcante quanto em países asiáticos ou no Brasil, o Soroban, particularmente em sua forma adaptada para pessoas cegas, conhecida como Cranmer Abacus, foi gradativamente incorporado a programas educacionais voltados para indivíduos com deficiência visual.
Já por volta da década de 1960, Tim Cranmer desenvolveu, nos EUA, uma versão adaptada do Soroban, com fundo de feltro para fixar as contas, permitindo que alunos cegos realizassem operações de forma tátil, sem que as contas se deslocassem involuntariamente.
Atualmente, o ensino do ábaco integra a formação de professores de matemática para cegos em diversas universidades norte-americanas, sendo considerado um “equivalente ao lápis e papel” no processo de aprendizagem de estudantes com deficiência visual. Assim, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o Soroban carrega um rico legado histórico e cultural, servindo de base para suas aplicações terapêuticas e educacionais contemporâneas.
Soroban e Neurociência Cognitiva
Do ponto de vista neurocientífico, a prática regular com o Soroban representa uma forma de treinamento cognitivo capaz de induzir a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões sinápticas ao longo da vida. Estudos de neuroimagem e comportamentais revelam que indivíduos treinados em cálculos com o Soroban apresentam aprimoramentos em diversas habilidades cognitivas, como memória de trabalho, atenção concentrada e processamento numérico.
Além disso, a maestria no uso do Soroban, especialmente a capacidade de realizar cálculos mentalmente por meio da visualização do ábaco, conhecida como abacus-based mental calculation (AMC), está associada a mudanças funcionais e anatômicas em regiões fronto-parietais e occipito-temporais do cérebro, áreas envolvidas em funções executivas, visuoespaciais e de processamento numérico.
Tais alterações neurológicas sugerem um aumento na eficiência das redes neurais após treinamento intensivo, o que pode explicar os ganhos cognitivos observados.
A autora deste artigo, em sua atuação prática, reforça essas evidências científicas com observações empíricas: ao utilizar o Soroban como exercício mental em diferentes populações, observa-se uma melhora em funções como raciocínio lógico, concentração e memória de curto e longo prazo. Esses benefícios são corroborados pela literatura internacional.
Por exemplo, Wang (2020), em uma revisão abrangente, concluiu que o treinamento com Soroban não apenas melhora competências matemáticas, mas também pode expandir a capacidade de memória de trabalho e a agilidade mental, com efeitos de transferência cognitiva para tarefas não treinadas.
Ademais, pesquisas sugerem que atividades com o ábaco ativam intensamente áreas bilaterais do cérebro, enquanto a mão manipula as contas, o cérebro integra informações táteis, visuais e motoras, o que pode contribuir para o fortalecimento de conexões inter-hemisféricas e para o equilíbrio entre funções analíticas e criativas.
É importante notar que, do ponto de vista da neurociência, a reserva cognitiva também é enfatizada como um fator protetivo contra doenças neurodegenerativas. Nesse sentido, manter o cérebro ativo e aprender novas habilidades pode, de fato, retardar o aparecimento de sintomas de demência.
Nessa perspectiva, o Soroban, por sua vez, desponta como uma verdadeira “ginástica cerebral” para idosos; isso porque, ao demandar concentração, cálculo mental, coordenação visuo-motora e memória, ele estimula, simultaneamente, diversas áreas cerebrais responsáveis por essas funções.
A combinação de desafio mental e aprendizado contínuo oferecida pelo Soroban encontra respaldo em programas de estimulação cognitiva voltados à terceira idade, os quais reportaram melhora na formação de novas conexões neurais e lentificação do declínio cognitivo quando práticas similares são adotadas (MEIRELLES apud CAMARGO, 2022).
Assim, do ponto de vista neurocientífico, há fundamentos sólidos para o uso do Soroban como ferramenta terapêutica cognitiva.
Soroban e a Terceira Idade: Envelhecimento Ativo e Prevenção do Declínio Cognitivo
Envelhecer com autonomia e lucidez é um dos grandes desafios e aspirações da sociedade atual. À medida que a população idosa cresce no Brasil e nos Estados Unidos, aumenta também o interesse por estratégias que promovam um envelhecimento ativo, preservando as funções cognitivas e prevenindo ou retardando doenças como o Alzheimer.
Nesse contexto, o Soroban tem se destacado como um recurso ível e eficaz de estimulação mental para idosos (TAKAHASHI, 2009). Ao trabalhar com números e contas de forma lúdica, porém desafiadora, a pessoa idosa exercita múltiplas capacidades, como atenção, raciocínio lógico, memória operacional e coordenação motora fina, entre outras.
Diferentemente dos jogos eletrônicos, o Soroban oferece um tátil e visual concreto a cada movimento das contas, o que pode torná-lo especialmente engajador para idosos, evocando lembranças de métodos tradicionais de cálculo e, ao mesmo tempo, proporcionando novidades.
Experiências relatadas em oficinas práticas no Centro Paulistano de Soroban evidenciam, de forma consistente, diversos benefícios cognitivos e emocionais decorrentes da prática regular do Soroban na terceira idade. De fato, idosos que participam dessas atividades registraram melhorias significativas em foco e concentração, conseguindo, assim, manter a atenção por períodos mais longos em tarefas cotidianas. Além disso, desenvolveram um raciocínio matemático mais ágil para cálculos simples do dia a dia, como somar gastos ou conferir trocos.
Muitos relatam uma sensação de memória mais aguçada, atribuindo ao Soroban o papel de “academia para o cérebro”, expressão que ressalta o paralelismo entre exercitar o corpo fisicamente e exercitar a mente por meio dos cálculos no ábaco.
Além disso, observam-se ganhos em autoconfiança e autoestima: ao dominar uma nova habilidade na idade avançada, esses alunos sentem-se mais capazes e motivados, refletindo positivamente em sua independência e bem-estar emocional. A interação social propiciada pelas aulas em grupo de Soroban também contribui para o combate ao isolamento, criando um ambiente de troca entre pares e aprendizado mútuo.
No tocante à prevenção do declínio cognitivo, embora o Alzheimer não tenha cura, há consenso médico de que estimular o cérebro com novos aprendizados e desafios pode contribuir para retardar o avanço dessa enfermidade (CAMARGO, 2022).
Profissionais de gerontologia cognitiva no Brasil já incorporam o Soroban em programas de estimulação para idosos com comprometimento cognitivo leve, observando benefícios especialmente em atenção sustentada e organização do pensamento (MEIRELLES apud CAMARGO, 2022).
Nesses programas, o Soroban é valorizado não apenas pela aritmética, mas também pela concentração que exige e pelo prazer lúdico que proporciona. Como ressalta Takahashi (2009), “o Soroban é mais do que uma ferramenta: é uma oportunidade de recomeço” para o idoso, que descobre ser possível aprender algo novo mesmo tardiamente e, com isso, ressignificar a velhice como uma fase de desenvolvimento contínuo.
A autora defende que encarar a velhice não apenas como um tempo de perdas, mas de novas descobertas, pode fazer toda a diferença na qualidade de vida. Assim, apresentar o Soroban a pais, avós e demais idosos de nosso convívio é, simbolicamente, oferecer-lhes um presente: uma forma de manter o cérebro ativo e o coração alegre por meio do aprendizado constante.
Soroban na Educação de Pessoas com Deficiência Visual
A educação matemática de pessoas com deficiência visual impõe desafios específicos, especialmente no ensino de conceitos numéricos e operações aritméticas que, para videntes, normalmente se apoiam em recursos visuais (números escritos, diagramas, etc.). O Soroban, entretanto, mostrou-se um poderoso instrumento de inclusão neste domínio, ao permitir cálculos táteis com autonomia e precisão. No Japão, já no século XX, o Soroban foi adaptado para deficientes visuais: modelos confeccionados com marcações em relevo e mecanismo de fricção para fixar as contas foram desenvolvidos, possibilitando que pessoas cegas sentissem as contas e realizassem os cálculos sem que os resultados se perdessem com movimentos acidentais. Essa inovação permitiu que estudantes cegos atingissem velocidade e acurácia comparáveis às de colegas videntes em operações matemáticas.
No Brasil, o uso do Soroban por estudantes com deficiência visual ganhou reconhecimento oficial. O Ministério da Educação, por meio da Portaria nº 657 de 7 de março de 2002, institucionalizou o Soroban como recurso didático específico para alunos cegos ou com baixa visão, autorizando seu uso em salas de aula e em provas de concursos públicos (BRASIL, 2002). Tal medida formalizou uma prática já adotada em instituições especializadas, como o Instituto Benjamin Constant (IBC), tradicional referência nacional na educação de cegos, que destaca o valor do Soroban na compreensão de conceitos de grandezas, operações e do sistema de numeração decimal por alunos com deficiência visual. Estudos apontam que alunos cegos que aprendem matemática com Soroban apresentam desempenho significativamente melhor em aritmética e demonstram mais autoconfiança em suas habilidades acadêmicas em comparação a pares que utilizam exclusivamente métodos auditivos ou braille para cálculos matemáticos.
O Soroban proporciona a esses estudantes um senso concreto dos valores numéricos e das operações, tangibilizando o abstrato, por exemplo, ao tocar um conjunto de contas levantadas que representam um número, o aluno cego pode sentir a estrutura desse número (unidades, dezenas, centenas), internalizando conceitos que de outra forma seriam puramente teóricos.
Nos Estados Unidos, o Cranmer Abacus desempenha papel equivalente no ensino de matemática para alunos cegos. Amplamente difundido em escolas e programas de reabilitação visual, o ábaco adaptado é considerado uma ferramenta tão fundamental quanto o braille, permitindo que estudantes realizem contas de adição, subtração, multiplicação, divisão e até raízes de forma tátil. De acordo com especialistas, “um ábaco é um excelente instrumento de cálculo para estudantes cegos, comparável ao uso de papel e lápis para estudantes que enxergam”. Além de desenvolver a competência no cálculo, o uso do Soroban/ábaco por estudantes com deficiência visual promove independência, eles podem calcular sem depender de calculadoras sonoras ou do auxílio de terceiros, e favorece a inclusão em sala de aula, pois conseguem acompanhar em tempo real atividades matemáticas juntamente com colegas videntes.É importante reconhecer, contudo, que a disseminação plena do Soroban na educação inclusiva enfrenta desafios.
No contexto brasileiro, apesar do amparo legal, ainda há carência na formação de professores para uso do Soroban e na oferta regular do instrumento nas escolas comuns. Investir em capacitação docente e na disponibilização de kits de Soroban nas redes de ensino é fundamental para que mais alunos com deficiência visual se beneficiem desse recurso (TAKAHASHI, 2022). Nos EUA, desafios semelhantes ocorrem: há relatos de que alguns professores de alunos com deficiência visual hesitam em ensinar o ábaco por falta de treinamento ou confiança no próprio uso do instrumento. Superar essas barreiras requer políticas educacionais e iniciativas de formação continuada em ambos os países, dado que os resultados positivos já demonstrados tornam clara a relação custo-benefício: o Soroban é de baixo custo, não depende de energia elétrica e pode ser utilizado em qualquer ambiente, representando uma tecnologia assistida simples e altamente eficiente.
Assim, integrar o Soroban de forma sistemática no currículo inclusivo significa combinar tradição e inovação para promover igualdade de oportunidades no aprendizado matemático.
Soroban e Transtorno do Espectro Autista (TEA)
No campo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), que engloba condições de desenvolvimento neurológico caracterizadas por particularidades na comunicação, interação social e padrões comportamentais, o Soroban emergiu recentemente como uma ferramenta promissora para apoio educacional e terapêutico. Crianças e jovens com TEA frequentemente respondem bem a abordagens visuais, táteis e estruturadas de ensino, devido à forma distinta como processam informações. O Soroban atende a essas características: sua estrutura lógica e repetitiva, aliada à manipulação física das contas, oferece um ambiente de aprendizado multissensorial e previsível, que pode ser mais facilmente compreendido e apreciado por muitos autistas (TAKAHASHI, 2023).
Com o Soroban, a matemática deixa de ser apenas algo abstrato no papel e a a ser algo que se vê e se toca, em outras palavras, “as crianças não só veem a matemática, elas sentem a matemática”. Essa concretude pode reduzir a ansiedade diante de conceitos novos e facilitar a formação de conexões cognitivas.
A experiência prática e relatos compilados pela autora indicam múltiplos benefícios do Soroban para crianças com TEA, indo além do mero aprendizado de operações aritméticas. Dentre os benefícios observados e corroborados por outros educadores especializados, destacam-se:
- Melhora da concentração: A atividade de calcular com o Soroban exige foco atencional para manipular as contas corretamente. Com o tempo, notou-se que crianças no espectro autista conseguiram sustentar a atenção por períodos mais longos, transferindo essa habilidade de concentração para outras atividades acadêmicas e cotidianas.
- Aprimoramento da percepção auditiva e visual: A prática frequente do Soroban costuma ser acompanhada de exercícios de cálculo mental, em que números são ditados oralmente e o aluno precisa visualizá-los no ábaco mentalmente. Tais exercícios fortalecem habilidades de escuta ativa e observação, treinando a criança a processar instruções auditivas e estímulos visuais com mais eficácia.
- Estimulação da imaginação e da visualização mental: Com o progresso no aprendizado, muitas crianças autistas aprendem a utilizar o Soroban mental, isto é, imaginam um ábaco em suas mentes e realizam operações sem o instrumento físico. Esse processo promove uma visualização vívida e estruturada, expandindo a criatividade e o raciocínio abstrato, habilidades nem sempre facilmente estimuladas em crianças no espectro.
- Fortalecimento da memória e agilidade de raciocínio: A necessidade de memorizar padrões numéricos e resultados parciais durante os cálculos serve como exercício para a memória de curto prazo. Relatos apontam que algumas crianças autistas desenvolvem até mesmo traços de memória fotográfica ao se familiarizarem com as configurações visuais do Soroban. Com treino contínuo, os cálculos tornam-se mais rápidos e precisos, o que reforça a confiança da criança em situações de avaliação escolar e em desafios do cotidiano.
- Desenvolvimento motor e sensorial: Manipular as contas do Soroban aprimora a coordenação motora fina, importante para a escrita e outras tarefas manuais. Ao mesmo tempo, a atividade tem um efeito sensorial organizador, o movimento rítmico de deslizar contas pode ser calmante e proporcionar estrutura a crianças que buscam ordem em meio à sobrecarga sensorial.
- Aumento da autoconfiança e interação social: Cada conta movida corretamente e cada problema resolvido funcionam como reforço positivo para a criança com TEA. Observou-se um crescimento palpável na autoestima desses alunos conforme avançavam nas lições de Soroban, muitos deles demonstrando orgulho em apresentar suas habilidades para familiares e colegas. Em alguns casos, a participação em pequenos campeonatos ou exibições de cálculo com Soroban, aliados a elogios e incentivos, ampliou a disposição da criança em se comunicar e interagir socialmente, rompendo parte do isolamento que muitas vezes acompanha o TEA.
Esses achados qualitativos da prática educacional encontram eco em pesquisas iniciais sobre o tema. Um estudo experimental conduzido na Indonésia (JANNAH; MASITOH; WIJIASTUTI, 2020) analisou o efeito do uso de um ábaco modificado no aprendizado de conceitos numéricos por crianças autistas. Os resultados demonstraram melhora significativa na capacidade de reconhecimento de números após sessões de intervenção com o ábaco, concluindo que essa ferramenta foi eficaz em ampliar a compreensão numérica em crianças com TEA (JANNAH et al., 2020). Tais evidências científicas reforçam a percepção prática de que o Soroban pode ser adaptado como recurso pedagógico para atender necessidades específicas de alunos no espectro autista, promovendo não apenas competências matemáticas, mas também competências cognitivas gerais e socioemocionais.
É válido salientar que a flexibilidade etária do Soroban se aplica também aqui: embora a idade ideal para iniciar o aprendizado seja por volta de 5 ou 6 anos, quando a criança começa a compreender conceitos numéricos básicos e o cérebro está altamente receptivo a estímulos lógicos, não há idade máxima para colher benefícios. Adolescentes e jovens adultos autistas podem igualmente se engajar com o Soroban e experimentar ganhos em concentração, organização do pensamento e até inserção em novas atividades (por exemplo, integrando grupos de estudo ou clubes de Soroban, o que favorece a socialização).
O fundamental é que educadores e familiares estejam dispostos a adotar abordagens inovadoras e inclusivas. Conforme argumenta Takahashi (2023), com metodologia adequada, apoio e incentivo, qualquer criança pode alcançar ótimos resultados, melhorando seu desempenho escolar e desenvolvendo potencialidades muitas vezes subestimadas. Nesse sentido, o Soroban desponta como um recurso valioso para tornar a aprendizagem mais inclusiva, eficaz e transformadora, alinhado às diretrizes contemporâneas de educação inclusiva que visam personalizar o ensino às necessidades de cada aluno.
Uso do Soroban no Brasil e nos Estados Unidos: Perspectivas Comparativas
Ao analisar o panorama do uso do Soroban no Brasil e nos Estados Unidos, encontramos convergências e particularidades que refletem diferenças culturais e institucionais entre os dois países, semelhanças nas demandas educativas contemporâneas e um interesse crescente por ferramentas não convencionais de ensino.
No Brasil, o Soroban beneficiou-se da influência direta da imigração japonesa e da atuação de entusiastas que difundiram seu uso. Atualmente, o país conta com centros especializados, como o Centro Paulistano de Soroban, que oferecem cursos e oficinas para todas as idades, além de concursos e eventos que celebram essa prática.
A educação inclusiva brasileira incorporou oficialmente o Soroban para pessoas com deficiência visual (BRASIL, 2002), e iniciativas locais vêm explorando seu potencial terapêutico para idosos e indivíduos com transtorno do espectro autista (TEA), conforme discutido.
A autora, em sua prática no Brasil, testemunha um aumento da conscientização e da aceitação do Soroban em escolas e projetos sociais nos últimos anos, muito disso graças à divulgação de resultados positivos em diversos contextos, idosos mais ativos, alunos cegos aprendendo matemática e crianças autistas mais concentradas.
Ainda assim, o desafio reside em expandir essas iniciativas, levando o Soroban de nichos especializados para a rede regular de ensino e para programas públicos de saúde e terapia ocupacional.
Há sinais promissores, como municípios que incluíram o Soroban em atividades de centros de convivência para idosos ou em salas de recursos multifuncionais para alunos com necessidades especiais.
Pesquisas acadêmicas brasileiras recentes também começam a surgir para documentar sistematicamente os impactos do Soroban na aprendizagem e no desenvolvimento, o que pode fornecer embasamento teórico adicional e atrair investimentos públicos.
Nos Estados Unidos, o Soroban não possui o mesmo grau de difusão cultural que em outros países, mas vem ganhando espaço em áreas específicas. Seu uso consolidado está na educação de pessoas com deficiência visual, onde o Cranmer Abacus é ferramenta padrão há décadas, respaldado por instituições renomadas como a Perkins School for the Blind e a American Printing House for the Blind (APH).
Além disso, programas extracurriculares de matemática mental, muitas vezes voltados à comunidade de imigrantes asiáticos ou ao público infantojuvenil de maneira geral, introduziram o Soroban como parte de treinamentos de cálculo rápido, por exemplo, franquias de “brain gyms” e academias de aritmética mental presentes em algumas cidades dos EUA.
Em relação às aplicações terapêuticas, embora ainda não existam políticas públicas que integrem o Soroban em larga escala para idosos ou pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), há profissionais independentes e centros de terapia que experimentam seu uso. Observa-se, por exemplo, que alguns terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos nos EUA recomendam o ábaco como atividade para melhorar a atenção e as habilidades motoras finas de crianças autistas, reconhecendo paralelos com abordagens visuais estruturadas já consagradas (ADVANCED THERAPY CLINIC, 2021).
Da mesma forma, alguns programas de brain training para idosos começaram a incluir exercícios com ábaco entre outras atividades cognitivas, inspirados no sucesso de metodologias estrangeiras, como o método japonês “Anzan” de cálculo mental, e em achados da neurociência sobre o impacto do ábaco na função cerebral.
Comparativamente, o Brasil parece estar à frente na institucionalização do Soroban em contextos educacionais formais, graças a normativas como a Portaria MEC de 2002 e iniciativas de entidades como o Instituto Brasileiro de Cegos (IBC). Por sua vez, os Estados Unidos destacam-se na produção de pesquisas neurocientíficas relacionadas ao ábaco e no desenvolvimento de materiais adaptados, incluindo variantes para diferentes idades e necessidades específicas.
Ambos os países, contudo, convergem no reconhecimento de que métodos tradicionais podem complementar tecnologias modernas na promoção de uma educação mais inclusiva e de uma vida cognitivamente mais saudável.
O intercâmbio de experiências entre Brasil e Estados Unidos pode ser profícuo: programas brasileiros de Soroban podem beneficiar-se das pesquisas e investimentos existentes nos EUA, enquanto instituições americanas podem inspirar-se no modelo brasileiro, que utiliza o Soroban não apenas para pessoas com deficiência visual, mas também junto a outros públicos, como idosos e indivíduos com transtorno do espectro autista (TEA).
Em um mundo globalizado, iniciativas como a Soroban League North America, que difunde a prática do Soroban nos Estados Unidos, bem como parcerias acadêmicas internacionais, podem, por um lado, fomentar uma maior difusão dessa ferramenta e, por outro, contribuir para eventuais padronizações de boas práticas de ensino.
Conclusão
O percurso do Soroban, desde suas origens milenares até suas aplicações atuais, ilustra de forma emblemática como uma ferramenta simples pode atravessar gerações e fronteiras, ressignificando-se conforme os desafios de cada época.
No século XXI, marcado simultaneamente pelo envelhecimento populacional e pela busca por inclusão educacional, o Soroban reafirma sua relevância ao se posicionar como um instrumento terapêutico e pedagógico versátil.
Conforme discutido, suas aplicações abrangem desde o estímulo cognitivo em idosos, contribuindo para manter o cérebro ativo, elevar a autoestima e possivelmente retardar o avanço de demências, até a facilitação da aprendizagem matemática para pessoas com deficiência visual, assegurando equidade no o ao conhecimento numérico. Além disso, o Soroban favorece o desenvolvimento de múltiplas habilidades em crianças com transtorno do espectro autista (TEA), melhorando atenção, memória, criatividade e interação social.
As opiniões aqui apresentadas, fundamentadas na vivência da autora Katia Sayuri Takahashi e em diversas referências, convergem para a defesa de que incluir o Soroban em práticas educativas e terapêuticas não representa um o retrógrado ou exótico, mas sim uma decisão embasada em evidências e orientada para a inovação social.
Trata-se de aliar tradição e ciência: o saber ancestral contido no ábaco encontra respaldo nas modernas pesquisas em neurociência e educação especial, configurando um campo fértil para atuação interdisciplinar.
Naturalmente, a implementação ampla do Soroban exige esforços coordenados, formação adequada de educadores, divulgação consistente de resultados positivos e investimento em materiais, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Contudo, os casos de sucesso e os estudos já disponíveis deixam claro que os benefícios justificam a inclusão dessa ferramenta no repertório pedagógico e terapêutico.
Em suma, o Soroban demonstra que soluções simples podem gerar impactos profundos. Seja no sorriso confiante de um idoso que recuperou o gosto por aprender, na conquista de um aluno cego que realiza cálculos complexos de forma independente, ou no progresso de uma criança autista que descobre, no movimento das contas, um caminho para compreender e se expressar, percebemos o poder transformador dessa prática.
Assim, como pesquisadora e educadora atuante, a autora conclui com um apelo: que possamos, portanto, continuar desvendando os segredos milenares do Soroban e, ao mesmo tempo, adaptando-os criativamente para construir uma educação mais inclusiva e, consequentemente, uma sociedade que valorize o desenvolvimento cognitivo em todas as fases da vida.
Afinal, ao tocar as contas do Soroban, tocamos também possibilidades, de aprendizagem, reabilitação e, sobretudo, de inclusão, honrando o ado enquanto pavimenta os caminhos para o futuro.
Referências
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