Ana sentia falta de si mesma. Sentia falta de estar e de sentir-se viva.
Aquela linda tarde de outono estava perfeita demais para ela se jogar do décimo primeiro andar. O pôr do sol não deixou que ela tomasse aquela drástica atitude e ela deu dois os para trás da sacada de seu apartamento e, no canto de seus olhos, deixou cair apenas uma lágrima. Aquela única gota de lágrima era como se fosse um oceano de sensações que estavam embutidas nela. Ali jorrava suas dores mais contidas, que ninguém nunca ousou pensar.
Reflexiva, se perguntava o que a afligia tanto e as respostas vieram como uma enxurrada proveniente de uma chuva torrencial: sua instabilidade emocional levou-a dividir o que havia de mais importante na sua vida, sua família, e ela se via sozinha, num barco à deriva, sem ninguém para remar ao seu lado.
Ao completar cinquenta e cinco anos, Ana ou por um portal que ela jamais pensou que pudesse ar: o portal do esquecimento de si mesma, de não se identificar mais como mulher, como pessoa e aquilo a assustou de tal forma que ela não soube lidar com aquele novo cenário.
A menopausa chegou e com ela todos os infortúnios também. Ana não se reconhecia no corpo atual, não compreendia o fato de não sentir qualquer tipo de vontade de ser ou estar sendo um mulher vaidosa; sua libido foi para abaixo de zero; os fogachos que sentia ao longo do dia a deixavam desconfortável e a irritação ou a ser sua companheira o tempo inteiro; o desejo bateu em retirada e ela não pode sentir mais qualquer tipo de vontade em relação ao sexo, e isso, foi o que mais mexeu com ela. Até a chegada da menopausa, Ana era uma mulher ativa, sexualmente falando, mas, de repente, tudo se dissipou e ela não entendeu o que estava acontecendo com ela. Seu corpo não respondia aos clamores de sua mente, era como se houvesse um muro de Berlim entre a conexão do seu corpo com sua mente e ela teve que se reinventar. Mas, como?
Buscando ajuda médica, foi indicada várias medicações, reposições hormonais, mas nada daquilo resolvia e Ana se sentiu oca e sem vida.
Além de dividir sua família com uma separação abrupta e ter perdido sua identidade como mulher, a inconstância dos seus sentimentos foi o que mais a fez chorar sozinha.
Diagnosticada com bipolaridade, sentiu na pele as fases mais cruéis da mania e da depressão. Cada uma dessas fases rasgavam a alma de Ana e ela se via refém de sua condição.
Seu marido tentava fazer vista grossa para as mudanças de comportamento de Ana, mas ela mesmo não conseguiu organizar suas emoções e, para evitar sofrimento maior para ele, resolveu pôr fim em seu casamento de mais de duas décadas e para Ana foi um alívio porque estava libertando seu companheiro de suas insanidades e compulsividades.
O que o ex-marido não compreendia era que Ana estava poupando ele de sofrimentos maiores. Era como se ela quisesse dizer a ele que ficasse longe dela para ela poder se entender novamente como pessoa. Não se tratava de deixá-lo em stand by, mas foi mais uma forma de demonstrar seu amor naquele pedido de separação, diria que foi um pedido de ajuda: “Siga seu caminho e deixe-me seguir o meu para eu me compreender novamente como mulher.”
Ana sabia que não era culpada por estar naquela fase, mas, não deixava de pensar no quanto havia perdido naquela decisão de se separar. Perdeu seu porto seguro; perdeu sua maior fortaleza, seu grande amigo. Sim, seu grande amigo e parceiro de todas as horas.
Ela desejou que o tempo voltasse, mas o copo de cristal havia se quebrado e não tinha como consertá-lo.
Se recompondo de seus pensamentos, Ana buscou ajuda num tranquilizante que estava na cabeceira de sua cama e minutos depois adormeceu e com esse adormecimento foi junto a sua dor e ela pode respirar um pouco mais na esperança de poder acordar e tudo ter sido um longo pesadelo.
Autora:
Patricia Lopes dos Santos